Aplicar os saberes sobre o território

 

O rio Vicente Pinzón: estudo sobre a cartografia da Guiana, Paul Vidal de la Blache, Biblioteca Nacional da França.
Caderno [22], registro 9.

Segundo Lucien Gallois, foi a carta do comércio mundial no tempo de Ptolomeu que atraiu a atenção das autoridades, ao ponto de convidarem Vidal para esclarecer o “contestado franco-brasileiro”, relativo ao traçado da fronteira da Guiana, que à época do Tratado de Utrecht havia sido definida pelo dito rio do Japoc ou de Vicente Pinzón... Exercendo uma crítica geo-cartográfica fina, Vidal mostra a dificuldade de provar a identidade desses rios referenciados no século XVI e os cursos d’água conhecidos em sua época, sobretudo em um meio tão movediço como o da costa tropical... Traços de reflexões políticas figuram no esboço de redação que aparece no caderno: “Necessidade de uma política comercial de aproximação com o Brasil. [...] A Europa, e particularmente a França, tem um papel na América Latina”. Mas sua opinião de especialista não convenceu o júri suíço encarregado de arbitrar o conflito...

Ensaio de agrupamentos regionais, Paul Vidal de la Blache, “Regiões francesas”, Revue de Paris, 15 de dezembro de 1910.

Vidal é também chamado oficialmente para se posicionar sobre a questão regional que agita os meios reformadores na virada do século. Ele está convencido de que “a França de amanhã” (segundo sua expressão) deve se adaptar a um mundo cuja escala se tornou “mundial” e cujo motor é a economia industrial. Expandir as malhas, posicionar as grandes cidades no coração da armadura regional, reanimar os espaços que restaram à margem da revolução industrial ao abri-los às novas tecnologias (como a energia gerada pelo movimento do mar...), articular o todo para se abrir ao “grande mercado do mundo”: eis a solução territorial que ele sugere e evoca em seus cadernos, registrando-a em um mapa e defendendo-a em muitos fóruns.

Segredo de Estado o obriga: não figura em seus cadernos qualquer traço das intervenções de Vidal nos diversos comitês de especialistas reunidos durante a guerra para preparar os tratados de paz. Em contrapartida, notas e  esboços sobre o papel do Reno e sobre o futuro da Europa aparecem no caderno [33], seu último caderno, iniciado em 1913.

 

Caderno [33], registro 93.

« Uma França enfraquecida é
a hegemonia certa universal da Alemanha.
Esta o sabe bem.
Tal é o pensamento que
persegue meu espírito no momento em que
se desenrolam esses acontecimentos. »

Essas anotações registram uma tomada de consciência geopolítica que ele desenvolve em seu novo livro, A França do Leste (1917), em termos parecidos. Diante da cegueira dos diplomatas ocidentais, incapazes de perceber o “desejo comum de hegemonia” da Alemanha, Vidal desvela os princípios de dominação territorial conscientemente mobilizados pelos pangermanistas para assegurar “no centro do Velho Mundo a maior força de dominação já conhecida”, acrescentando: “É essa a construção que nos foi revelada através da fumaça dos campos de batalha” (Paul Vidal de la Blache, La France de l’Est, 1917, p. 202-3).